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Algoritmos, amor, odio

Algoritmos, amor, odio

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Algoritmos, amor, odio

(Ou: como não desaparecer em um mundo otimizado)

Tem dias em que me pergunto: estou vivendo… ou apenas me otimizando?

Coisas que fazemos para o algoritmo nos notar:
• Postar na hora certa.
• Usar as palavras certas.
• Adicionar o som da moda.
• Formatar a legenda.
• Sorrir, mas nem tanto.
• Ser autêntica… mas não demais.

É fácil esquecer que não estamos apenas tentando existir online -
estamos tentando ser vistas por algo que nem é humano.

E isso me fez pensar:
Estamos vivendo, ou apenas existindo para o algoritmo?

Ultimamente, tenho sentido esse dilema moderno apertar no peito:
Sigo as regras do algoritmo ou arrisco desaparecer?
E se ninguém souber de mim?
E se alguém me procurar e não encontrar nada… será que eu existo?

Num mundo onde visibilidade = valor, o silêncio é confundido com irrelevância.
Parece o inferno de toda pessoa introspectiva.

Se você não fala — ninguém te vê.
Se você não publica — você desaparece?

Os sistemas por trás das telas

Livros como Weapons of Math Destruction (Cathy O’Neil), Invisible Women (Caroline Criado-Perez) e Cassandra Speaks (Elizabeth Lesser) me ajudaram a conectar alguns pontos desconfortáveis:

Os sistemas que usamos para ranquear, recomendar e decidir não são neutros.

São treinados com dados incompletos, enviesados ou centrados no masculino.
Invisibilizam. Amplificam. Distorcem.
E, em troca, nos moldamos para caber neles.

Weapons of Math Destruction mostra como algoritmos, vestidos de “matemática imparcial”, reforçam desigualdades em escala.
Eles premiam a conformidade.
Punem a diferença.
Não apenas refletem a realidade - eles a recriam.

Invisible Women mostra que, quando mulheres são subrepresentadas nos dados, também são apagadas dos mundos que os algoritmos constroem.
Se o sistema não te vê… você está mesmo lá?

Cassandra Speaks nos lembra que as histórias que contamos - e as que silenciamos - moldam o que valorizamos.
E aí fica a pergunta:
Quais histórias estamos contando ao algoritmo?
E quais estamos deixando de fora?

Harari, Nexus e o espelho que criamos

Depois chegou Nexus, de Yuval Noah Harari.
E ele traz uma definição desconcertantemente simples:

"Um algoritmo é um conjunto metódico de passos que processa informações para tomar decisões ou resolver problemas."

Ele nos lembra que algoritmos não precisam ser digitais.
Uma receita. Um checklist. Uma ordem militar. Tudo isso são algoritmos.

O que mudou é que agora criamos algoritmos não conscientes, capazes de nos superar na tomada de decisão - sem emoção, intuição ou consciência.

Em Nexus, Harari contrasta algoritmos biológicos (nós) com algoritmos digitais (como IA, ChatGPT etc).

"Seres humanos são algoritmos biológicos. O que acontece quando algoritmos digitais nos entendem melhor do que nós mesmos?"

Essa pergunta não só me assombra.
Ela me ativa.

Porque se os algoritmos moldam o que vemos, e o que vemos molda como pensamos…
Quem está no controle?

E o que acontece quando o sistema não te enxerga?
Quando os dados te apagam?
 Quando o feed te esquece?

Não - nós não somos apenas algoritmos.
Mas estamos, sim, vivendo num mundo algoritmizado.
E precisamos nos tornar participantes mais conscientes dos sistemas que nos moldam.

O que podemos fazer?

Aqui vão algumas práticas discretas, quase subversivas, que me ajudam a me reconectar com o que é humano:

• Publique com intenção, não só por alcance.
Diga algo que importa - mesmo que não esteja “perfeito”.
Deixe o algoritmo aprender com a sua integridade, não com a sua performance.

• Amplifique histórias que não costumam ser ouvidas.
Compartilhe dados que incluam quem sempre ficou de fora.
Seja a falha no sistema que revela uma história mais completa.

• Observe seus próprios padrões.
O que você faz só para ser vista? Isso ainda te serve?

• Saia do online com propósito.
Escreva algo que ninguém verá. Caminhe. Ligue para alguém.
Reencontre a parte de você que existe além do feed.

• Seja generosa com sua atenção.
Comente com cuidado. Envie um elogio em uma DM.
Engaje como pessoa, não como marca.

Rebele-se contra esse empurrão silencioso e constante para ser otimizada.

Vamos viver para sermos inteiras - não clicáveis.

Inteiras, no sentido de não estarmos em falta.
Inteiras, porque nada nos falta.
Inteiras, porque nenhum algoritmo, plataforma ou métrica precisa nos completar.

Porque quando vivemos a partir de um lugar de suficiência, deixamos de pedir permissão para existir.

Parar de correr atrás de validação.
Parar de terceirizar nosso valor.

Nosso valor nunca esteve no algoritmo.
Ele está na nossa capacidade de imaginar, de questionar, de criar -
e de nos conectarmos, de verdade, além das telas.

Vamos viver como se soubéssemos disso.
E talvez, só talvez…
o algoritmo comece a aprender com a gente.

 

Veronica Magariños
Veronica Magariños

Head of Hyper Island Habla Hispana I Third-Culture I Global Leadership Facilitator & Connector I Mother of Five, Builder of Teams

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